São Paulo ocupada

Edifício Prestes Maia na Av. Prestes Maia, centro de São Paulo. Image © Leandro Moraes

Em uma cidade que não tem tempo nem de reparar no próprio visual, alguns empreendimentos culturais se ocupam disso e estão transformando seus entornos.

Há uma tendência entre os paulistanos de, em vez de focar nos pontos positivos da cidade, exagerar na crítica ao lugar. As falhas da cidade – o trânsito monstruoso e as enchentes de verão; o planejamento urbano excêntrico e a divisão social que gera vários outros problemas – são diariamente jogadas com fúria na cara do morador da maior cidade do Brasil.

Mas se você respirar fundo e direcionar a imagem da cidade para novos rumos, até o paulistano mais cético poderá vir a discordar do rapper Criolo e acreditar que, sim, existe amor em São Paulo. E esse sentimento – ao mesmo tempo gentil e exasperado – está em alguns movimentos e grupos engajados que nasceram em ruas, galerias, bares e centros culturais. Lugares como a bem estabelecida Matilha Cultural e o Espaço Walden, na Praça da República, vêm provocando mudanças e sugerindo transformações em suas vizinhanças. Se juntam a eles a Trackers (balada e escola de áudio e vídeo) e a galeria de arte Estúdio Lâmina, ambos perto do Vale do Anhangabaú. O que todos têm em comum, além de acreditarem que a cidade pode mudar e terem o estilo de colocar a mão na massa, é estarem localizados no decadente Centro de São Paulo.

Um dos pioneiros dessa onda de cultura urbana é o grupo de teatro Cia. Pessoal do Faroeste, que já traça esse caminho no histórico bairro da Luz desde 1999. O diretor Paulo Faria tem esperança que sua arte cause impacto na região conhecida como Cracolândia. “Nossa intenção é de envolver a população nessa guerrilha urbana, onde a gente está. É como foi, de uma forma, o que aconteceu na Praça Roosevelt, de como [o grupo de teatro] Os Satyros encontraram aquilo e como foi fundamental a presença deles e a articulação de todos os grupos ali”, diz Faria.
A ideia de que a cidade precisa mudar em termos de planejamento urbano e, mais urgentemente, no uso que faz do espaço urbano está borbulhando. O melhor exemplo que temos já é nosso principal cartão postal. “A Avenida Paulista é o lugar mais vivo, mais misturado, mais democrático da cidade de São Paulo”, afirma Raquel Rolnik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Há acessibilidade, comércio, tribos múltiplas e dinâmicas e é povoada de todas as ações culturais.” Eis um projeto que deu certo.

E porque em ‘Sampa’, de Caetano Veloso, há essa “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, novos usos para prédios antigos são uma resistência. Há quem vá na contramão da obsessão paulistana de derrubar o velho para substituí-lo pelo novo – abordagem que levou a alguns dos piores aspectos da paisagem quadrada e cinzenta da cidade. Exemplo dessa ocupação de ‘guerrilha’ no coração do Centro é a Pivô, um novo espaço de arte dentro do poderoso Edifício Copan; e o bar Balsa, que deve abrir em junho ou julho. Ele terá um terraço imenso que dá para os elegantes edifícios Martinelli e Altino Arantes, o Banespão, e ocupará o último andar e a cobertura de um prédio antigo e pouco notável, que abriga uma empresa de distribuição de CDs em declínio.

Assim como o Balsa, o festejado projeto de reativação do antigo bar Riviera está sendo levado a cabo em um belo prédio modernista na icônica esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação. Com a reabertura do histórico estabelecimento, aquele pedaço de São Paulo terá chance de voltar a brilhar urbana e culturalmente. Trata-se de uma iniciativa do chef Alex Atala em parceria com o jovem empreendedor da noite Facundo Guerra, com quem conversamos sobre o papel essencial do bar na tradição cultural da cidade, e sobre misturar o velho e o novo para criar casas atraentes, ricas em passado, presente e futuro.

Escrito por Claire Rigby e Evelin Fomin para Time Out