Caminhadas e arquitetura

Estação Julio Prestes

A degradação de alguns edifícios não impede que você admire belas construções históricas no Centro

Mapas não fazem justiça a São Paulo. Apenas quando nos aproximamos de avião, vendo a cidade interminável pela janelinha, ou quando colocamos o pé nessa complexa matriz de ruas, avenidas e viadutos é que temos noção da poesia concreta paulistana. E isso fica ainda mais claro – ou confuso – no Centro, onde ainda há uma concentração de antigos edifícios que sobreviveram à pressão das incorporadoras para dar lugar, sobretudo, a estacionamentos e prédios residenciais em estilo “neoclássico”, que dominaram os lançamentos imobiliários nos últimos quinze anos.

São esses locais que o ativista Douglas Nascimento e o arquiteto e historiador Paulo Rezzutti, do site São Paulo Antiga, lutam para preservar. Eles nos acompanham em um café na Padaria Santa Ifigênia, um dos espaços comerciais do Edifício Copan, marco da arquitetura modernista brasileira. Embora não esteja entre seus arquitetos prediletos, Rezzutti reconhece o carioca Oscar Niemeyer (1907-2012) como um talento para executar prédios de acordo com a linha modernista, em que o projeto arquitetônico privilegia a funcionalidade. “Ele era muito bom em marketing e fez o que era valorizado na época, a arquitetura de vanguarda.” Mas, se a vanguarda era o estilo mais procurado, isso não faz da vanguarda a própria bossa?

Bem, seguimos. O projeto do conjunto turístico e hoteleiro transformado em um prédio de apartamentos multifuncional foi finalizado em 1966, 10 anos após a inauguração do Edifício Eiffel, outra construção com a grife do arquiteto comunista.

No entanto, ainda que seja inquestionável o valor do legado modernista, prédios como o Copan, que nunca foi restaurado, ou a degradada sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (o IAB, na R. Bento Freitas, 306), de Rino Levi (1901-1965), sofrem com o descaso e a falta de conservação.

Melhor conservadas, outras obras de Niemeyer acabam servindo de contraponto para a arquitetura europeia de prédios do início do século 20. Diante do moderno Edifício e Galeria Califórnia (R. Barão de Itapetininga, 255), de 1951, com suas inovadoras colunas em V, está a antiga sede da Previdência  (R. Barão de Itapetininga, 298), de 1913. A construção tem importância histórica. Em 1932, um movimento de estudantes exigia que o então presidente Getúlio Vargas promulgasse uma constituição, que limitaria os poderes do ditador. Durante uma manifestação, quatro estudantes foram mortos nos arredores do edifício.

Além da política, a arquitetura do Centro também é testemunha de momentos marcantes das artes. Sob a Rua Coronel Xavier de Toledo, entre o Teatro Municipal, inspirado na Ópera de Paris, e o Hotel Esplanada, havia um túnel, provavelmente aterrado durante as reformas do museu, em 1950. A passagem era usada por astros da ópera, como o tenor italiano Beniamino Gigli, a soprano Bidú Sayão e a pianista Magdalena Tagliaferro, que costumavam ficar hospedados ali.

 

Às costas do hotel, na Rua São João, aproveite o leve declive em direção ao Vale do Anhangabaú, à direita, e admire a sequência de belíssimas construções, como a Praça das Artes, sede, entreoutras, da Escola de Dança de São Paulo, e o Palácio dos Correios, à esquerda, que sedia exposições de arte. Dali, de frente ao vale onde o rio corre canalizado, é possível ter uma das mais belas vistas da cidade e, mais à direita, o Edifício Martinelli, de 1929, chama a atenção pelos tons de rosa. Ao fundo, o Edifício Altino Arantes, o Banespão. Inspirado no Empire State Building, de Nova York, foi finalizado em 1947 e é atualmente o terceiro prédio mais alto de São Paulo. O maior dos arranha-céus da cidade está à sua direita: o Palácio W. Zarzur, também conhecido como Edifício Mirante do Vale, concluído em 1960.

Avance à direita do Martinelli para admirar outro contraste, formado pela proximidade do Edifício Triângulo (R. José Bonifácio, 24), de 1953, também de Niemeyer, com o charmoso Palacete Tereza Toledo Lara (R. Quintino Bocaiúva), de 1910. Projetado pelo alemão Augusto Fried, o prédio tem uma fachada belíssima. Vale a pena prestar atenção na riqueza de ornamentos como máscaras, estátuas, guirlandas e pináculos.
A caminhada acaba no Pátio do Colégio, base da primeira construção de São Paulo, hoje ocupada por uma igreja, um museu, uma biblioteca e um café. O pátio é rodeado por palácios usados pela Secretaria de Justiça. “São os primeiros assinados por Ramos de Azevedo (1851-1928)”, conta Douglas. Entre à esquerda da igreja e conheça o Solar da Marquesa de Santos (R. Roberto Simonsen, 136), a construção mais antiga feita em taipa de pilão do Centro. O palacete foi a casa da Marquesa de Santos, amante de Dom Pedro I.

Escrito por Márcio Cruz para Time Out SP